domingo, 16 de junho de 2019

Etica e cidadania: Desrespeito nas favelas cariocas (2o bimestre).



RIO — “Entraram na minha casa, ligaram o ar-condicionado, comeram os danones dos meus filhos, levaram mil reais e ainda deixaram tudo revirado”. “O café da manhã do trabalhador que sai de madrugada, às vezes, é um tapa na cara”. “Eles entraram na escola e ficaram daqui trocando tiro com bandidos. As crianças ficaram todas deitadas no chão, duas delas se urinaram. Pode olhar as marcas de tiro. A escola tá toda alvejada”. Esses são alguns dos mais de 300 relatos anônimos de moradores de 15 comunidades do Rio de Janeiro coletados pelo Circuito Favelas por Direitos, um projeto coordenado pela Ouvidoria Externa da Defensoria Pública do Estado do Rio (DPRJ), que, desde abril, acompanha de perto os efeitos da Intervenção Federal na Segurança Pública. O monitoramento levou à identificação de 30 tipos de violações de direitos que teriam sido cometidos pelas Forças Armadas e pelas polícias em territórios ocupados ou atingidos pela violência.


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As violações ficam silenciadas, transformando-se em sofrimentos. São relatos que expõem o cotidiano perverso de medo e invisibilidade em que centenas de milhares de pessoas no Rio de Janeiro se encontram submetidas e demonstram que há um padrão no modo com que as comunidades são tratadas pelas forças de segurança — diz o ouvidor-geral da Defensoria, Pedro Strozenberg, que esteve à frente de todas as visitas e coletas de relatos do Circuito Favelas por Direitos.
Com auxílio de uma rede de apoio composta por cerca de 25 instituições e entidades e com o suporte de lideranças locais, Strozenberg e defensores públicos de diferentes áreas de atuação colheram “relatos, e não denúncias” entre moradores e comerciantes.

– Nosso objetivo é que o relatório sirva de instrumento de mudança e recomposição da agenda pública do Rio de Janeiro. Dezenas de casos individuais relatados demandam apuração e responsabilização, mas neste primeiro momento optamos apenas por apresentar uma visão geral – explica Strozenberg. 

O relatório destaca que há “um conjunto de violações cotidianas que não ganham estatísticas oficiais, mas contribuem imensamente para gerar sentimentos múltiplos de medo, desesperança e revolta em moradores de favelas e periferias”.

Os 30 tipos de violações foram divididos em cinco blocos – violação em domicílio, abordagem, letalidade provocada pelo estado, operação policial e impactos – e definidos a partir de relatos de furto/roubo por parte de agentes de segurança, dano ao patrimônio, violência sexual, extorsão, ameças/agressões físicas, execuções, disparos a esmo, entre outros.

“Aqui eles tratam todo mundo como se fosse bandido ou é mãe e pai de vagabundo. Se é mulher, é mulher de vagabundo. Se é criança, é filha de vagabundo. Tem 99% de morador, de trabalhador, mas eles acham que todo mundo é bandido”, diz um dos relatos.


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– É bem provável que algumas dessas violações, mesmo sem estarem formalmente orientadas, passem por uma “validação oficial”, como as práticas de fichamento ou revista a mochilas de crianças, contando com a insuficiente malha de controle das instituições internas e externas das atividades policiais – diz o ouvidor-geral.

De acordo com o relatório, um comerciante relatou à Defensoria: “O Exército entrou aqui no bar e roubou o X-box do meu filho, comeu nossa mercadoria, levou a bebida, foi mais de 4 mil de prejuízo. A gente trabalha pra ter esse pouco e eles fazem isso”. Outro moradorse queixou sobre os arrombamentos: “Tive meu portão arrombado diversas vezes. Agora eu coloco só uma correntinha, porque não dá para ficar consertando toda hora”.

Além dos relatos de invasão em domicílio, há os de desrespeito na abordagem, inclusive a mulheres: “Eles vêm revistar a gente já gritando, chamando a gente de piranha, mulher de bandido, drogada. Vem empurrando e mexendo na gente.  Eu sei que só mulher que pode revistar mulher, mas se a gente não deixar, leva tapa na cara”.

– Esse sentimento de temor está principalmente associado aos confrontos e às violações praticadas por policiais e, mais recentemente, por membros das Forças Armadas. A fronteira entre o que assegura a lei e o que é praticado na favela traz à tona falas controversas em relação ao reconhecimento das violações. Em alguns casos de inviolabilidade das casas, revista em celular ou de fotografia da identidade do morador, confundem-se os limites entre o ilegal e o permissível. Nos primeiros meses da intervenção, eram mais comuns os relatos de posturas cordiais e educadas do Exército, mas essa fala tem sido substituída pelo registro de violações cometidas pelas Forças Armadas, que têm se intensificado, em repetição e brutalidade – afirma o ouvidor-geral.

Para Strozenberg, a favela precisa ser tratada como parte da cidade:
– Mas no direito, favela e cidade estão afastadas e a intervenção federal ampliou essa distância. Vamos entregar ao Gabinete de Intervenção 15 recomedações. Não somos contra o combate ao tráfico, mas que ele seja feito dentro da legalidade. defendemos uma política de monitoramento e transparência. Queremos diálogo e que o Estado apresente os resultados da política de segurança, não apenas de ações pontuais.

O defensor público-geral do Estado do Rio, André Luís Machado de Castro, chama atenção para os resultados da política de enfrentamento:
- Até quando vamos ouvir pessoas dizerem que não dá para combater o crime sem sacrifícios? A gente vê essas operações acontecerem, mas qual o resultado final delas na perspectiva de quem defende esse ponto de vista? Qual a quantidade de droga e armas apreendidas e apresentadas? A coluna vertebral do crime organizado, seja do tráfico de drogas ou da milícia, de algum modo é atingida? O que vemos são respostas negativas para todos esses aspectos. Apreendem-se poquíssimas armas, não é nenhum arsenal, um resultado mínimo de drogas apreendidas. Ocorrem prisões, mas atingiu o crime organizado na sua composição, com sério dano? É um discurso fracassado, pois essa política não está reduzindo a criminalidade.


Visitas às comunidades

O Circuito Favelas por Direitos percorreu Rocinha, Complexo da Maré, Ficap, Cidade de Deus, Complexo do Salgueiro, Complexo do Chapadão, Complexo de Acari, Complexo da Penha, Complexo do Alemão, Jacarezinho, Vila Vintém, Babilônia, Mangueirinha e Corte 8, em Duque de Caxias.

– Agressões físicas e verbais foram relatadas em todas as 15 comunidades percorridas. Os moradores relatam que os policiais costumeiramente abordam com gritos e palavrões. Entre as agressões físicas, a mais frequente é o tapa na cara. Tal prática se mostra mais comum com adolescentes, com moradores que questionam ou criticam abusos policiais e com pessoas que estejam utilizando ou portando dose individual de droga ilícita – afirma Pedro Strozenberg.


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A revista em celulares e o fichamento de moradores foram criticados pelo Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da Defensoria nos primeiros dias da Intervenção Federal. A Defensoria também recorreu à Justiça contra o uso de helicópteros para disparos de cima para baixo.
O relatório do Circuitos Favelas por Direitos registrou o que disseram os moradores a respeito: “Vocês estão vendo essas marcas? Tudo são tiros vindo do céu. Eles atiram de cima pra baixo e sai da frente. Até os policiais da UPP ficaram no meio do fogo vindo do céu e foi muito tiro. Olha esses buracos”. “Quase todos os dias a gente acorda de manhã com o helicóptero em cima da gente, fazendo aquele barulhão. E eles vão e voltam, a gente fica o dia inteiro na angústia de que a qualquer momento vai acontecer o tiroteio. Às vezes, tem e o helicóptero atira. A gente morre de medo porque daquela altura o tiro pode pegar em qualquer lugar”.

Em 2018, uma a cada cinco mortes violentas no estado do Rio aconteceu pelas mãos da polícia . Um levantamento feito pelo GLOBO, com base em dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), mostra que, dos 4.133 assassinatos que ocorreram no Rio entre janeiro e julho deste ano, 895 — ou 21,7% — foram cometidos pelas forças de segurança e registrados como homicídios decorrentes de intervenção policial. Essa é a maior proporção registrada nos sete primeiros meses do ano desde 1998, quando começou a série histórica do ISP.

Para chegar ao número total de mortes violentas no estado, o GLOBO somou o total de latrocínios, homicídios, lesões corporais seguidas de morte e autos de resistência registrados no período.
Em nota, o Gabinete de Intervenção Federal afirmou que todas as operações e ações realizadas visando combater a criminalidade são feitas dentro da legalidade, objetivando proteger cidadãos e respeitar seus direitos.

Relatório aponta que Forças de Segurança violaram 30 tipos de direitos durante Intervenção.

Segundo a Defensoria Pública, relatos de furto, roubo, agressões desrespeito a mulheres são constantes. Monitoramento ouviu mais de 300 relatos de moradores de 15 comunidades do RJ.
Um relatório parcial do projeto Circuito Favelas por Direitos identificou 30 tipos de violações de direitos cometidos pelas Forças Armadas e pelas polícias durante o período da Intervenção Federal na Segurança Pública do Rio.

Os dados foram divulgados nesta quinta-feira (27). O monitoramento, coordenado pela Ouvidoria Externa Defensoria Pública do Rio de Janeiro, ouviu mais de 300 relatos anônimos e espontâneos de moradores de 15 comunidades do estado.

De acordo com a Defensoria, o relatório destaca que há “um conjunto de violações cotidianas que não ganham estatísticas oficiais, mas contribuem imensamente para gerar sentimentos múltiplos de medo, desesperança e revolta em moradores de favelas e periferias”.

Procurado pelo G1, o coronel Carlos Cinelli, porta-voz do Comando Militar do Leste, disse que o ainda não tomou conhecimento do documento que contém essas acusações e, por isso, não tem como se pronunciar.

Tipos de violações de direitos
Os 30 tipos de violações foram divididos em cinco blocos:
Violação em domicílio
Abordagem
Letalidade provocada pelo estado
Operação policial e impactos
Relatos de furto/roubo por parte de agentes de segurança, dano ao patrimônio, violência sexual, extorsão, ameças/agressões físicas, execuções, disparos a esmo
O ouvidor-geral da Defensoria, Pedro Strozenberg, que esteve à frente das visitas do Circuito Favelas por Direitos, afirma que os relatos expõem o cotidiano perverso em que as pessoas no Rio de Janeiro se encontram submetidas. Ele diz ainda que os depoimentos demonstram que há um “modus operandi” no modo com que as comunidades são tratadas pelas forças de segurança.

Há relatos de desrespeito na abordagem, inclusive a mulheres.

“Eles vêm revistar a gente já gritando, chamando a gente de piranha, mulher de bandido, drogada. Vem empurrando e mexendo na gente. Eu sei que só mulher que pode revistar mulher, mas se a gente não deixar, leva tapa na cara”, afirma uma das moradoras ouvidas pela Defensoria.

O projeto Circuito Favelas por Direitos também contou com a participação da Comissão de Direitos Humanos, Defensoria Pública da União (DPU), Secretaria de Direitos Humanos e organizações civis parceiras.

Strozenberg explica que o objetivo é que o relatório sirva de instrumento de mudança e recomposição da agenda pública do estado e que, nesse primeiro momento, o levantamento optou por apresentar uma visão geral. Segundo ele, dezenas de casos individuais ainda demandam apuração e responsabilização.

“Aqui eles tratam todo mundo como se fosse bandido, ou é mãe e pai de vagabundo, se é mulher é mulher de vagabundo, se é criança é filha de vagabundo. Tem 99% de morador, de trabalhador, mas eles acham que todo mundo é bandido”, diz um dos moradores.

Relatos de moradores

No relatório, os depoimentos apresentados acusam os agentes de segurança de todos os tipos de violação, que foram divididos nos cinco blocos citados acima.
“Entraram na minha casa, ligaram o ar-condicionado, comeram os danones dos meus filhos, levaram mil reais e ainda deixaram tudo revirado”, diz um dos relatos.

O ouvidor-geral afirma que é provável que algumas dessas violações, mesmo sem estarem formalmente orientadas, passem por uma “validação oficial”, como as práticas de fichamento ou revista a mochilas de crianças, "contando com a insuficiente malha de controle das instituições internas e externas das atividades policiais".

“O Exército entrou aqui no bar e roubou o X-box do meu filho, comeu nossa mercadoria, levou a bebida, foi mais de 4 mil de prejuízo. A gente trabalha pra ter esse pouco e eles fazem isso”, destaca um dos moradores ouvidos.

“Eles entraram dentro da escola e ficaram daqui trocando tiro com bandidos. As crianças ficaram todas deitadas no chão, duas delas se urinaram. Pode olhar as marcas de tiro. A escola tá toda alvejada”, diz outro.

Os relatos de agressão, sem motivo, por parte dos agentes também é destaco no relatório:
“O café da manhã do trabalhador que sai de madrugada às vezes é um tapa na cara”, disse um morador.

'Tapa na cara' dos que questionam abusos policiais
Agressões físicas e verbais foram relatadas em todas as 15 comunidades percorridas, segundo o ouvidor-geral Pedro Strozenberg. Os moradores relataram que os policiais costumeiramente abordam com gritos e palavrões.

Entre as agressões físicas, a mais frequente é o “tapa na cara”. Tal prática se mostra mais comum com adolescentes, com moradores que questionam ou criticam abusos policiais e com pessoas que estejam utilizando ou portando dose individual de droga ilícita.
A invasão de dados de celulares é outra violação recorrente, segundo os relatos colhidos pela Defensoria Pública.

“Eu já tive dois celulares roubados por eles. Eles mandam tirar a senha. Olham as mensagens, os grupos e dependendo até levam mesmo", relatou um morador.

A revista em celulares e o fichamento de moradores foram criticados pelo Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da Defensoria logo nos primeiros dias da Intervenção Federal.

Uso de helicópteros para disparos
A Defensoria afirma que também já havia recorrido à Justiça contra uma outra prática comum entre as forças de segurança nos territórios ocupados: uso de helicópteros para disparos de cima para baixo.
O relatório do Circuitos Favelas por Direitos registrou o que disseram os moradores a respeito:
“Vocês estão vendo essas marcas? Tudo são tiros vindo do céu. Eles atiram de cima pra baixo e sai da frente. Até os policiais da UPP ficaram no meio do fogo vindo do céu e foi muito tiro. Olha esses buracos”.

"Quase todos os dias a gente acorda de manhã com o helicóptero em cima da gente, fazendo aquele barulhão. E eles vão e voltam, a gente fica o dia inteiro na angústia de que a qualquer momento vai acontecer o tiroteio. Às vezes, tem e o helicóptero atira. A gente morre de medo porque daquela altura o tiro pode pegar em qualquer lugar”.

Rocinha e Alagados são mostras de desrespeito a direitos

Os moradores das favelas do Brasil sofrem violações diárias de seus direitos humanos.

Episódios de violência, falta de infra-estrutura sanitária e dificuldade no acesso à saúde e educação são tão comuns que, às vezes, as pessoas se acostumam e nem percebem mais os problemas.

Na última década, o número de favelas não parou de crescer. Um estudo do IBGE, divulgado no ano 2000, indica que surgiram no Rio de Janeiro 119 novas favelas nos nove anos anterior. 

No ranking nacional, a cidade do Rio só perde para São Paulo no número de favelas registrado pelo censo do IBGE. Eram 513 favelas cariocas, contra 612 paulistanas.

Ranking

Nesse ranking, Salvador aparece em nono lugar, com 99 favelas.

Mas a situação na capital baiana é considerada especialmente crítica: segundo um relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD), entre as 12 maiores cidades Brasileiras, Salvador foi a campeã em desigualdade social e concentração de renda na década de 90.

Outro levantamento, da Fundação Getúlio Vargas, indica que 80,2% dos trabalhadores da cidade ganham de um a oito salários mínimos. Em todo o Estado, 54,3% da população estaria abaico da linha de pobreza, recebendo até R$ 80 por mês.

Na série de reportagens Direitos Humanos nas Favelas o repórter Rafael Gomez visitou durante duas semanas, no final de novembro e início de dezembro, três favelas no Brasil: a Rocinha, no Rio de Janeiro, e as de Alagados e Novos Alagados, em Salvador.

Conversando com moradores, líderes comunitários, autoridades e representantes de ONGs que atuam nessas comunidades, o jornalista tratou de investigar quais são as violações mais comuns e o grau de conhecimento que os moradores dessas comunidades têm sobre a Declaração Universal dos Direitos Humanos.
 
Foram analisados os direitos à vida e à segurança, educação, justiça, à informação e à livre expressão e à saúde.

Outro ponto abordado foi o preconceito em relação ao morador das favelas e dentro da própria comunidade e de que forma isso atrapalha a implementação dos Direitos Humanos nessas comunidades.

Projeto mundial

A série foi patrocinada pelo Ministério do Exetrior da Grã-Bretanha através da Fundação Serviço Mundial da BBC (World Service Trust) e faz parte de um projeto colocado em prática em dezenas de países, chamado I Have a Right to...  Já foram realizadas reportagens semelhantes na Rússia, na China, nos Estados Unidos, na Índia, no Afeganistão e em outros países, abordando questões diferentes relacionadas aos direitos humanos. 

A série também foi produzida para o rádio, dividida em dez programas de cinco minutos, que estão sendo veiculados pelas emissoras coligadas à rede BBC Brasil em todo o Brasil até o dia 10 de dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos.

A VIOLÊNCIA POLICIAL NAS FAVELAS DO RIO DE JANEIRO

Eliana Souza Silva, diretora da Redes de Desenvolvimento da Maré, publicou artigo no jornal O Globo sobre a relação das forças policiais e os moradores de favelas. Eliana lembra que só neste ano pelo menos 45 pessoas foram mortas em operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro e afirma: "A experiência de um policial que se coloca no papel de proteger a população que mora em favelas nunca fez parte da história dessas comunidades. Elas nunca vivenciaram uma rotina diferente da violência, do desrespeito e da humilhação que sempre caracterizaram as práticas de grande parte dos profissionais do aparato policial"

Por que a polícia é tão violenta?

Nos primeiros 55 dias de 2014, tivemos pelo menos 45 mortos em operações policiais em favelas do Rio de Janeiro, sem contar feridos. São números que propõem a toda sociedade, com urgência, o desafio de refletir e questionar as ações de segurança pública no Rio, especialmente nas favelas.
Como alguém que se constituiu no mundo a partir da Maré, busco compreender as práticas das forças policiais na favela a partir do olhar dos agentes diretamente envolvidos nessa problemática: policiais, integrantes dos grupos criminosos armados e moradores. Meu esforço é pensar caminhos para ampliar o diálogo com as autoridades, que muitas vezes não conseguem envolver no debate a população diretamente atingida pela falta de políticas abrangentes de segurança pública.

É fato que as soluções neste campo não são mágicas nem rápidas. A crescente violência exige a construção de uma política global, não baseada em medidas fáceis, pirotécnicas ou de curto prazo. Um projeto que não pode, definitivamente, depender de ciclos eleitorais. Nesse sentido, a experiência em realização no Rio de Janeiro das Unidades de Polícia Pacificadora (UPPs) poderá ser um avanço se governo e sociedade civil conseguirem incorporar ao programa, a curto prazo, a escuta do cidadão.
Passos importantes nesse sentido já vêm sendo dados por algumas instituições. Na Maré, desde 2009, a Redes da Maré vem mobilizando moradores para que participem da elaboração de propostas para esta área.

Esse trabalho tem mostrado que não haverá mudança substancial sem uma compreensão, por parte de quem vive, age e ama no bairro da Maré, sobre o que significa ter direito à segurança pública e o papel que precisam cumprir na conquista. Estou certa de que o mesmo é verdadeiro para muitas outras áreas do Rio.

Durante o trabalho de reflexão coletiva sobre as práticas policiais na Maré, percebi que o morador da favela não compartilha do mesmo conceito de segurança dos que residem em locais de maior padrão de renda. Essa é uma pista interessante para compreender as razões da intolerância e descrédito na relação da população com a polícia. A experiência de um policial que se coloca no papel de proteger a população que mora em favelas nunca fez parte da história dessas comunidades. Elas nunca vivenciaram uma rotina diferente da violência, do desrespeito e da humilhação que sempre caracterizaram as práticas de grande parte dos profissionais do aparato policial. Para muitos agentes de segurança, persiste a visão preconceituosa que considera todas as pessoas que residem em favelas como potenciais cúmplices de atividades ilícitas.

A morte da policial Alda Rafael Castilho, de 27 anos, causa indignação e tristeza, sim, a todos que trabalham para a diminuição do quadro de violência em que se encontra o Estado do Rio de Janeiro. Assim como a morte de Gabriel Lelis da Silva Barbosa, de 14 anos, e de Jefferson Moreira de Jesus, de 24, em operação policial na Maré, no dia 23 de janeiro. Vivemos num estado em que as pessoas gastam uma energia significativa observando qual morte é mais reconhecida e valorada. E isso, sem dúvida, é tão violento e indigno quanto a barbárie explícita que se vivencia no nosso cotidiano.

Não chegaremos à essência desse problema valorizando práticas que colocam pessoas de opiniões distintas como inimigas, as quais devem ser combatidas, como numa guerra. Nenhuma vida vale mais que outra, independentemente de quem se esteja falando.

*Eliana Souza Silva, diretora da Redes de Desenvolvimento da Maré, é paraibana, mãe de dois filhos e foi moradora da Maré por 28 anos. É doutora em Serviço Social pela PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro) e diretora da DIUC/UFRJ (Divisão de Integração Universidade e Comunidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro).


Fonte:
https://journals.openedition.org/aa/1210,bbc,etc



Comentário::
Esse é praticamente um dos desrespeitos mais intoleráveis que temos no Rio de Janeiro. As favelas são lugares onde se concentram uma grande parte da nossa população e que temos que apoiar. Muitas familias habitam esses lugares de muita pobreza. E não podemos ignorar esses atos de violência, racismo, maus tratos, e desordem nas favelas, os habitantes de favelas precisam viver como verdadeiros cidadãos como nós.


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