RIO — “Entraram na minha
casa, ligaram o ar-condicionado, comeram os danones dos meus filhos, levaram
mil reais e ainda deixaram tudo revirado”. “O café da manhã do trabalhador que
sai de madrugada, às vezes, é um tapa na cara”. “Eles entraram na escola e
ficaram daqui trocando tiro com bandidos. As crianças ficaram todas deitadas no
chão, duas delas se urinaram. Pode olhar as marcas de tiro. A escola tá toda
alvejada”. Esses são alguns dos mais de 300 relatos anônimos de moradores de 15
comunidades do Rio de Janeiro coletados pelo Circuito Favelas por Direitos, um
projeto coordenado pela Ouvidoria Externa da Defensoria Pública do Estado do
Rio (DPRJ), que, desde abril, acompanha de perto os efeitos da Intervenção
Federal na Segurança Pública. O monitoramento levou à identificação de 30
tipos de violações de direitos que teriam sido cometidos pelas Forças Armadas e
pelas polícias em territórios ocupados ou atingidos pela violência.

As violações ficam
silenciadas, transformando-se em sofrimentos. São relatos que expõem o
cotidiano perverso de medo e invisibilidade em que centenas de milhares de
pessoas no Rio de Janeiro se encontram submetidas e demonstram que há
um padrão no modo com que as comunidades são tratadas pelas forças de
segurança — diz o ouvidor-geral da Defensoria, Pedro Strozenberg, que esteve à
frente de todas as visitas e coletas de relatos do Circuito Favelas por
Direitos.
Com auxílio de uma rede de apoio composta por cerca de 25
instituições e entidades e com o suporte de lideranças locais, Strozenberg e
defensores públicos de diferentes áreas de atuação colheram “relatos, e não
denúncias” entre moradores e comerciantes.
– Nosso objetivo é que o relatório sirva de instrumento de
mudança e recomposição da agenda pública do Rio de Janeiro. Dezenas de casos
individuais relatados demandam apuração e responsabilização, mas neste primeiro
momento optamos apenas por apresentar uma visão geral – explica
Strozenberg.
O relatório destaca que há
“um conjunto de violações cotidianas que não ganham estatísticas oficiais, mas
contribuem imensamente para gerar sentimentos múltiplos de medo, desesperança e
revolta em moradores de favelas e periferias”.
Os 30 tipos de violações foram divididos em cinco blocos –
violação em domicílio, abordagem, letalidade provocada pelo estado, operação
policial e impactos – e definidos a partir de relatos de furto/roubo por parte
de agentes de segurança, dano ao patrimônio, violência sexual, extorsão,
ameças/agressões físicas, execuções, disparos a esmo, entre outros.
“Aqui eles tratam todo mundo como se fosse bandido ou é mãe
e pai de vagabundo. Se é mulher, é mulher de vagabundo. Se é criança, é filha
de vagabundo. Tem 99% de morador, de trabalhador, mas eles acham que todo mundo
é bandido”, diz um dos relatos.
– É bem provável que algumas dessas violações, mesmo sem
estarem formalmente orientadas, passem por uma “validação oficial”, como as
práticas de fichamento ou revista a mochilas de crianças, contando com a
insuficiente malha de controle das instituições internas e externas das
atividades policiais – diz o ouvidor-geral.
De acordo com o relatório, um
comerciante relatou à Defensoria: “O Exército entrou aqui no bar e roubou o
X-box do meu filho, comeu nossa mercadoria, levou a bebida, foi mais de 4 mil
de prejuízo. A gente trabalha pra ter esse pouco e eles fazem isso”. Outro
moradorse queixou sobre os arrombamentos: “Tive meu portão arrombado diversas
vezes. Agora eu coloco só uma correntinha, porque não dá para ficar consertando
toda hora”.
Além dos relatos de invasão em domicílio, há os de
desrespeito na abordagem, inclusive a mulheres: “Eles vêm revistar a gente já
gritando, chamando a gente de piranha, mulher de bandido, drogada. Vem
empurrando e mexendo na gente. Eu sei que só mulher que pode revistar
mulher, mas se a gente não deixar, leva tapa na cara”.
– Esse sentimento de temor está principalmente associado aos
confrontos e às violações praticadas por policiais e, mais recentemente, por
membros das Forças Armadas. A fronteira entre o que assegura a lei e o que é
praticado na favela traz à tona falas controversas em relação ao reconhecimento
das violações. Em alguns casos de inviolabilidade das casas, revista em celular
ou de fotografia da identidade do morador, confundem-se os limites entre o
ilegal e o permissível. Nos primeiros meses da intervenção, eram mais comuns os
relatos de posturas cordiais e educadas do Exército, mas essa fala tem sido
substituída pelo registro de violações cometidas pelas Forças Armadas, que têm
se intensificado, em repetição e brutalidade – afirma o ouvidor-geral.
Para Strozenberg, a favela precisa ser tratada como parte da
cidade:
– Mas no direito, favela e cidade estão afastadas e a
intervenção federal ampliou essa distância. Vamos entregar ao Gabinete de
Intervenção 15 recomedações. Não somos contra o combate ao tráfico, mas que ele
seja feito dentro da legalidade. defendemos uma política de monitoramento e
transparência. Queremos diálogo e que o Estado apresente os resultados da
política de segurança, não apenas de ações pontuais.
O defensor público-geral do Estado do Rio, André Luís
Machado de Castro, chama atenção para os resultados da política de
enfrentamento:
- Até quando vamos ouvir pessoas dizerem que não dá para
combater o crime sem sacrifícios? A gente vê essas operações acontecerem, mas
qual o resultado final delas na perspectiva de quem defende esse ponto de
vista? Qual a quantidade de droga e armas apreendidas e apresentadas? A coluna
vertebral do crime organizado, seja do tráfico de drogas ou da milícia, de
algum modo é atingida? O que vemos são respostas negativas para todos esses
aspectos. Apreendem-se poquíssimas armas, não é nenhum arsenal, um resultado
mínimo de drogas apreendidas. Ocorrem prisões, mas atingiu o crime organizado
na sua composição, com sério dano? É um discurso fracassado, pois essa política
não está reduzindo a criminalidade.
Visitas
às comunidades
O Circuito Favelas por Direitos percorreu Rocinha, Complexo
da Maré, Ficap, Cidade de Deus, Complexo do Salgueiro, Complexo do Chapadão,
Complexo de Acari, Complexo da Penha, Complexo do Alemão, Jacarezinho, Vila
Vintém, Babilônia, Mangueirinha e Corte 8, em Duque de Caxias.
– Agressões físicas e verbais foram relatadas em todas as 15
comunidades percorridas. Os moradores relatam que os
policiais costumeiramente abordam com gritos e palavrões. Entre as
agressões físicas, a mais frequente é o tapa na cara. Tal prática se mostra
mais comum com adolescentes, com moradores que questionam ou criticam abusos
policiais e com pessoas que estejam utilizando ou portando dose individual de
droga ilícita – afirma Pedro Strozenberg.
A revista em celulares e o fichamento de moradores foram
criticados pelo Núcleo de Defesa dos Direitos Humanos (Nudedh) da Defensoria
nos primeiros dias da Intervenção Federal. A Defensoria também recorreu à
Justiça contra o uso de helicópteros para disparos de cima para baixo.
O relatório do Circuitos Favelas por Direitos registrou o
que disseram os moradores a respeito: “Vocês estão vendo essas marcas? Tudo são
tiros vindo do céu. Eles atiram de cima pra baixo e sai da frente. Até os
policiais da UPP ficaram no meio do fogo vindo do céu e foi muito tiro. Olha
esses buracos”. “Quase todos os dias a gente acorda de manhã com o helicóptero
em cima da gente, fazendo aquele barulhão. E eles vão e voltam, a gente fica o
dia inteiro na angústia de que a qualquer momento vai acontecer o tiroteio. Às
vezes, tem e o helicóptero atira. A gente morre de medo porque daquela altura o
tiro pode pegar em qualquer lugar”.
Em 2018, uma a cada cinco mortes violentas no estado do
Rio aconteceu pelas mãos da polícia . Um levantamento feito pelo GLOBO,
com base em dados do Instituto de Segurança Pública (ISP), mostra que, dos
4.133 assassinatos que ocorreram no Rio entre janeiro e julho deste ano, 895 —
ou 21,7% — foram cometidos pelas forças de segurança e registrados como
homicídios decorrentes de intervenção policial. Essa é a maior proporção
registrada nos sete primeiros meses do ano desde 1998, quando começou a série
histórica do ISP.
Para chegar ao número total de mortes violentas no estado, o
GLOBO somou o total de latrocínios, homicídios, lesões corporais seguidas de
morte e autos de resistência registrados no período.
Em nota, o Gabinete de Intervenção Federal afirmou que todas
as operações e ações realizadas visando combater a criminalidade são feitas
dentro da legalidade, objetivando proteger cidadãos e respeitar seus direitos.
Relatório aponta
que Forças de Segurança violaram 30 tipos de direitos durante Intervenção.
Segundo a
Defensoria Pública, relatos de furto, roubo, agressões desrespeito a mulheres
são constantes. Monitoramento ouviu mais de 300 relatos de moradores de 15
comunidades do RJ.
Um relatório parcial do projeto Circuito Favelas por Direitos
identificou 30 tipos de violações de direitos cometidos pelas Forças Armadas e
pelas polícias durante o período da Intervenção Federal na Segurança Pública do
Rio.
Os dados foram divulgados nesta quinta-feira (27). O
monitoramento, coordenado pela Ouvidoria Externa Defensoria Pública do Rio de
Janeiro, ouviu mais de 300 relatos anônimos e espontâneos de moradores de 15
comunidades do estado.
De acordo com a Defensoria, o relatório destaca que há “um
conjunto de violações cotidianas que não ganham estatísticas oficiais, mas
contribuem imensamente para gerar sentimentos múltiplos de medo, desesperança e
revolta em moradores de favelas e periferias”.
Procurado pelo G1, o coronel Carlos Cinelli, porta-voz do Comando
Militar do Leste, disse que o ainda não tomou conhecimento do documento que
contém essas acusações e, por isso, não tem como se pronunciar.
Tipos de violações de direitos
Os 30 tipos de violações foram divididos em cinco blocos:
Violação em domicílio
Abordagem
Letalidade provocada pelo estado
Operação policial e impactos
Relatos de furto/roubo por parte de agentes de segurança, dano ao
patrimônio, violência sexual, extorsão, ameças/agressões físicas, execuções,
disparos a esmo
O ouvidor-geral da Defensoria, Pedro Strozenberg, que esteve à
frente das visitas do Circuito Favelas por Direitos, afirma que os relatos
expõem o cotidiano perverso em que as pessoas no Rio de Janeiro se encontram
submetidas. Ele diz ainda que os depoimentos demonstram que há um “modus
operandi” no modo com que as comunidades são tratadas pelas forças de
segurança.
Há relatos de desrespeito na abordagem, inclusive a mulheres.
“Eles vêm revistar a gente já gritando,
chamando a gente de piranha, mulher de bandido, drogada. Vem empurrando e
mexendo na gente. Eu sei que só mulher que pode revistar mulher, mas se a gente
não deixar, leva tapa na cara”, afirma uma das moradoras ouvidas pela
Defensoria.
O projeto Circuito Favelas por Direitos também contou com a
participação da Comissão de Direitos Humanos, Defensoria Pública da União
(DPU), Secretaria de Direitos Humanos e organizações civis parceiras.
Strozenberg explica que o objetivo é que o relatório sirva de
instrumento de mudança e recomposição da agenda pública do estado e que, nesse
primeiro momento, o levantamento optou por apresentar uma visão geral. Segundo
ele, dezenas de casos individuais ainda demandam apuração e responsabilização.
“Aqui eles tratam todo mundo como se fosse bandido, ou é mãe e pai
de vagabundo, se é mulher é mulher de vagabundo, se é criança é filha de
vagabundo. Tem 99% de morador, de trabalhador, mas eles acham que todo mundo é
bandido”, diz um dos moradores.
Relatos de moradores
No relatório, os depoimentos apresentados acusam os agentes de
segurança de todos os tipos de violação, que foram divididos nos cinco blocos
citados acima.
“Entraram na minha casa, ligaram o
ar-condicionado, comeram os danones dos meus filhos, levaram mil reais e ainda
deixaram tudo revirado”, diz um dos relatos.
O ouvidor-geral afirma que é provável que algumas dessas
violações, mesmo sem estarem formalmente orientadas, passem por uma “validação
oficial”, como as práticas de fichamento ou revista a mochilas de crianças,
"contando com a insuficiente malha de controle das instituições internas e
externas das atividades policiais".
“O Exército entrou aqui no bar e roubou
o X-box do meu filho, comeu nossa mercadoria, levou a bebida, foi mais de 4 mil
de prejuízo. A gente trabalha pra ter esse pouco e eles fazem isso”, destaca um
dos moradores ouvidos.
“Eles entraram dentro da escola e ficaram daqui trocando tiro com
bandidos. As crianças ficaram todas deitadas no chão, duas delas se urinaram.
Pode olhar as marcas de tiro. A escola tá toda alvejada”, diz outro.
Os relatos de agressão, sem motivo, por parte dos agentes também é
destaco no relatório:
“O café da manhã do
trabalhador que sai de madrugada às vezes é um tapa na cara”, disse um morador.
'Tapa na cara' dos que questionam abusos policiais
Agressões
físicas e verbais foram relatadas em todas as 15 comunidades percorridas,
segundo o ouvidor-geral Pedro Strozenberg. Os moradores relataram que os
policiais costumeiramente abordam com gritos e palavrões.
Entre as
agressões físicas, a mais frequente é o “tapa na cara”. Tal prática se mostra
mais comum com adolescentes, com moradores que questionam ou criticam abusos
policiais e com pessoas que estejam utilizando ou portando dose individual de
droga ilícita.
A invasão de dados
de celulares é outra violação recorrente, segundo os relatos colhidos pela
Defensoria Pública.
“Eu já tive
dois celulares roubados por eles. Eles mandam tirar a senha. Olham as
mensagens, os grupos e dependendo até levam mesmo", relatou um morador.
A revista em
celulares e o fichamento de moradores foram criticados pelo Núcleo de Defesa
dos Direitos Humanos (Nudedh) da Defensoria logo nos primeiros dias da
Intervenção Federal.
Uso de
helicópteros para disparos
A Defensoria
afirma que também já havia recorrido à Justiça contra uma outra prática comum
entre as forças de segurança nos territórios ocupados: uso de helicópteros para
disparos de cima para baixo.
O relatório
do Circuitos Favelas por Direitos registrou o que disseram os moradores a
respeito:
“Vocês estão
vendo essas marcas? Tudo são tiros vindo do céu. Eles atiram de cima pra baixo
e sai da frente. Até os policiais da UPP ficaram no meio do fogo vindo do céu e
foi muito tiro. Olha esses buracos”.
"Quase
todos os dias a gente acorda de manhã com o helicóptero em cima da gente,
fazendo aquele barulhão. E eles vão e voltam, a gente fica o dia inteiro na
angústia de que a qualquer momento vai acontecer o tiroteio. Às vezes, tem e o
helicóptero atira. A gente morre de medo porque daquela altura o tiro pode
pegar em qualquer lugar”.
Rocinha e
Alagados são mostras de desrespeito a direitos
Os moradores das favelas do
Brasil sofrem violações diárias de seus direitos humanos.
Episódios de violência, falta de infra-estrutura
sanitária e dificuldade no acesso à saúde e educação são tão comuns que, às
vezes, as pessoas se acostumam e nem percebem mais os problemas.
Na última década, o número de favelas não parou
de crescer. Um estudo do IBGE, divulgado no ano 2000, indica que surgiram no
Rio de Janeiro 119 novas favelas nos nove anos anterior.
No ranking nacional, a cidade do Rio só perde
para São Paulo no número de favelas registrado pelo censo do IBGE. Eram 513
favelas cariocas, contra 612 paulistanas.
Ranking
Nesse ranking, Salvador aparece em nono lugar,
com 99 favelas.
Mas a situação na capital baiana é considerada
especialmente crítica: segundo um relatório do Programa das Nações Unidas para
o Desenvolvimento (PNUD), entre as 12 maiores cidades Brasileiras, Salvador foi
a campeã em desigualdade social e concentração de renda na década de 90.
Outro levantamento, da Fundação Getúlio Vargas,
indica que 80,2% dos trabalhadores da cidade ganham de um a oito salários
mínimos. Em todo o Estado, 54,3% da população estaria abaico da linha de
pobreza, recebendo até R$ 80 por mês.
Na série de reportagens Direitos Humanos
nas Favelas o repórter Rafael Gomez visitou durante duas semanas, no
final de novembro e início de dezembro, três favelas no Brasil: a Rocinha, no
Rio de Janeiro, e as de Alagados e Novos Alagados, em Salvador.
Conversando com moradores, líderes comunitários,
autoridades e representantes de ONGs que atuam nessas comunidades, o jornalista
tratou de investigar quais são as violações mais comuns e o grau de
conhecimento que os moradores dessas comunidades têm sobre a Declaração
Universal dos Direitos Humanos.
Foram analisados os direitos à vida e à
segurança, educação, justiça, à informação e à livre expressão e à saúde.
Outro ponto abordado foi o preconceito em
relação ao morador das favelas e dentro da própria comunidade e de que forma
isso atrapalha a implementação dos Direitos Humanos nessas comunidades.
Projeto mundial
A série foi patrocinada pelo Ministério do
Exetrior da Grã-Bretanha através da Fundação Serviço Mundial da BBC (World Service
Trust) e faz parte de um projeto colocado em prática em dezenas de países,
chamado I Have a Right to... Já foram realizadas reportagens
semelhantes na Rússia, na China, nos Estados Unidos, na Índia, no Afeganistão e
em outros países, abordando questões diferentes relacionadas aos direitos
humanos.
A série também foi produzida para o rádio,
dividida em dez programas de cinco minutos, que estão sendo veiculados pelas
emissoras coligadas à rede BBC Brasil em todo o Brasil até o dia 10 de
dezembro, Dia Internacional dos Direitos Humanos.
A VIOLÊNCIA POLICIAL NAS FAVELAS
DO RIO DE JANEIRO
Eliana Souza Silva, diretora da Redes de
Desenvolvimento da Maré, publicou artigo no jornal O
Globo sobre a relação das forças policiais e os moradores de
favelas. Eliana lembra que só neste ano pelo menos 45 pessoas foram mortas em
operações policiais nas favelas do Rio de Janeiro e afirma: "A experiência
de um policial que se coloca no papel de proteger a população que mora em
favelas nunca fez parte da história dessas comunidades. Elas nunca vivenciaram
uma rotina diferente da violência, do desrespeito e da humilhação que sempre
caracterizaram as práticas de grande parte dos profissionais do aparato policial"
Por
que a polícia é tão violenta?
Nos primeiros 55 dias de 2014, tivemos
pelo menos 45 mortos em operações policiais em favelas do Rio de Janeiro, sem
contar feridos. São números que propõem a toda sociedade, com urgência, o
desafio de refletir e questionar as ações de segurança pública no Rio,
especialmente nas favelas.
Como alguém que se constituiu no mundo
a partir da Maré, busco compreender as práticas das forças policiais na favela
a partir do olhar dos agentes diretamente envolvidos nessa problemática:
policiais, integrantes dos grupos criminosos armados e moradores. Meu esforço é
pensar caminhos para ampliar o diálogo com as autoridades, que muitas vezes não
conseguem envolver no debate a população diretamente atingida pela falta de
políticas abrangentes de segurança pública.
É fato que as soluções neste campo não
são mágicas nem rápidas. A crescente violência exige a construção de uma
política global, não baseada em medidas fáceis, pirotécnicas ou de curto prazo.
Um projeto que não pode, definitivamente, depender de ciclos eleitorais. Nesse
sentido, a experiência em realização no Rio de Janeiro das Unidades de Polícia
Pacificadora (UPPs) poderá ser um avanço se governo e sociedade civil
conseguirem incorporar ao programa, a curto prazo, a escuta do cidadão.
Passos importantes nesse sentido já vêm
sendo dados por algumas instituições. Na Maré, desde 2009, a Redes da Maré vem
mobilizando moradores para que participem da elaboração de propostas para esta
área.
Esse trabalho tem mostrado que não haverá
mudança substancial sem uma compreensão, por parte de quem vive, age e ama no
bairro da Maré, sobre o que significa ter direito à segurança pública e o papel
que precisam cumprir na conquista. Estou certa de que o mesmo é verdadeiro para
muitas outras áreas do Rio.
Durante o trabalho de reflexão coletiva
sobre as práticas policiais na Maré, percebi que o morador da favela não
compartilha do mesmo conceito de segurança dos que residem em locais de maior
padrão de renda. Essa é uma pista interessante para compreender as razões da
intolerância e descrédito na relação da população com a polícia. A experiência
de um policial que se coloca no papel de proteger a população que mora em
favelas nunca fez parte da história dessas comunidades. Elas nunca vivenciaram
uma rotina diferente da violência, do desrespeito e da humilhação que sempre
caracterizaram as práticas de grande parte dos profissionais do aparato
policial. Para muitos agentes de segurança, persiste a visão preconceituosa que
considera todas as pessoas que residem em favelas como potenciais cúmplices de
atividades ilícitas.
A morte da policial Alda Rafael
Castilho, de 27 anos, causa indignação e tristeza, sim, a todos que trabalham
para a diminuição do quadro de violência em que se encontra o Estado do Rio de
Janeiro. Assim como a morte de Gabriel Lelis da Silva Barbosa, de 14 anos, e de
Jefferson Moreira de Jesus, de 24, em operação policial na Maré, no dia 23 de
janeiro. Vivemos num estado em que as pessoas gastam uma energia significativa
observando qual morte é mais reconhecida e valorada. E isso, sem dúvida, é tão
violento e indigno quanto a barbárie explícita que se vivencia no nosso
cotidiano.
Não chegaremos à essência desse
problema valorizando práticas que colocam pessoas de opiniões distintas como
inimigas, as quais devem ser combatidas, como numa guerra. Nenhuma vida vale
mais que outra, independentemente de quem se esteja falando.
*Eliana
Souza Silva, diretora da Redes de Desenvolvimento da Maré, é
paraibana, mãe de dois filhos e foi moradora da Maré por 28 anos. É doutora em
Serviço Social pela PUC-Rio (Pontifícia Universidade Católica do Rio de
Janeiro) e diretora da DIUC/UFRJ (Divisão de Integração Universidade e
Comunidade da Universidade Federal do Rio de Janeiro).
Fonte:
https://journals.openedition.org/aa/1210,bbc,etc
Comentário::
Esse é praticamente um dos desrespeitos mais intoleráveis
que temos no Rio de Janeiro. As favelas são lugares onde se concentram uma
grande parte da nossa população e que temos que apoiar. Muitas familias habitam esses lugares de muita pobreza. E não podemos ignorar esses atos de
violência, racismo, maus tratos, e desordem nas favelas, os habitantes de
favelas precisam viver como verdadeiros cidadãos como nós.