Crise da ética e a sociedade brasileira
Tem se
tornado um lugar comum entre nós a constatação de que vivemos uma crise da
ética.
Acontecimentos
recentes com denúncias de corrupção nos mais altos escalões do governo, do
legislativo e do meio empresarial vêm causando perplexidade pelo alcance e a
dimensão de casos que, se de um lado, sempre se suspeitou que ocorressem, por
outro lado, nunca se pensou que tivessem essa magnitude e que pudessem causar
os prejuízos que concretamente causaram.
Que desafios
trazem para a sociedade brasileira as consequências desses processos que se
tornaram parte de nosso dia? Que podemos fazer diante disso? A pergunta sempre
feita é: qual a saída? Um ponto positivo é certamente o aumento da consciência
ética do cidadão brasileiro, ou seja, a percepção da importância de uma postura
mais ética. Além disso, a certeza da impunidade das elites, muito comum em nosso
contexto, em grande parte também caiu por terra. Mas, o que significa uma
postura mais ética?
Corrupção
fere os critérios éticos básicos de honestidade e respeito, de transparência e
dignidade. Produz ineficiência, causa dano à sociedade, prejudica a coletividade,
significa uma ruptura com a cidadania. A corrupção no serviço público viola um
dos princípios mais básicos da ética na política, que remonta à “Alegoria da
Caverna” de Platão, a distinção entre o público e o privado. Alguém que exerce
cargos públicos e que faz negócios com o governo o faz no “interesse público”,
qualquer desvio desse princípio produz falta de credibilidade e perda de
legitimidade e de autoridade dos que exercem cargos e funções públicas.
Os atenienses condenavam à perda da cidadania, o ostracismo, quem fosse culpado desses desvios. Não os julgavam mais dignos de pertencer àquela comunidade.
Os atenienses condenavam à perda da cidadania, o ostracismo, quem fosse culpado desses desvios. Não os julgavam mais dignos de pertencer àquela comunidade.
Pessoas que exercem cargos públicos
devem ser capazes de prestar contas à sociedade que os elegeu ou a quem devem
representar. É nesse sentido que tem sido diagnosticado que vivemos uma crise
de representatividade, que só pode ser superada na medida em que o eleitor seja
mais consciente e tenha uma noção mais clara do que significa um mandato
político, exatamente como um mecanismo de representação. O amadurecimento ético
e político de uma sociedade exige isso para que a cidadania possa ser
plenamente exercida. Temos em muitos casos uma classe política isolada da
sociedade, dos cidadãos que deveria representar, de seus eleitores.
A filosofia, à qual pertence
tradicionalmente a área da ética, nos ensina que uma sociedade não sobrevive e
muito menos se desenvolve sem uma consciência mais clara e um maior
reconhecimento dos valores que considera fundamentais. Valores consistem
exatamente naquilo que a sociedade valoriza, que tem como ideais. Justiça,
solidariedade, honestidade, bem-estar são exemplos de valores, admitidamente de
caráter muito geral. Mas o caráter geral capta exatamente a ideia que esses
valores são contextualizados, históricos e mudam de sociedade para sociedade e
dentro de uma mesma sociedade com o tempo.
Além disso, em uma sociedade complexa
como temos contemporaneamente diferentes grupos podem ter diferentes valores,
portanto, a aceitação da diversidade e o respeito mútuo devem ser centrais em
uma sociedade, permitindo a convivência, a inclusão, o pluralismo. Mas, valores
não são dados, precisam ser construídos, reconhecidos, assumidos,
defendidos e, principalmente, postos em prática. Não começamos éticos, a ética
não é ponto de partida, mas ponto de chegada.
Se não começamos éticos, vivemos crises, dificuldades e impasses, é preciso que enquanto coletividade tenhamos ideais e lutemos para coloca-los em prática. A ética deve nos fornecer, portanto, o que o grande filósofo alemão Immanuel Kant denominou “ideais regulativos”, ou seja, um rumo, uma direção, referências em termos das quais guiamos as nossas ações, pelas quais nos orientamos, mesmo que não as tenhamos atingido.
Se não começamos éticos, vivemos crises, dificuldades e impasses, é preciso que enquanto coletividade tenhamos ideais e lutemos para coloca-los em prática. A ética deve nos fornecer, portanto, o que o grande filósofo alemão Immanuel Kant denominou “ideais regulativos”, ou seja, um rumo, uma direção, referências em termos das quais guiamos as nossas ações, pelas quais nos orientamos, mesmo que não as tenhamos atingido.
Esse deve ser o sentido de “construção de valores”. Trata-se sempre de um processo e também de um progresso em direção a fins, a ideais que reconhecemos como válidos e pelos quais lutamos. Esse o pressuposto para sairmos de um impasse em direção a uma real transformação na sociedade.
Mudanças duradouras não são feitas de imediato, nem sem debate e discussão, exigem aprofundamento e perspectiva a longo prazo. Crises podem abrir esses caminhos difíceis, mas inevitáveis em momentos como o que vivemos.
Uma das principais características
dessa luta pela ética deve ser a preocupação com uma melhor qualidade de vida
não só individual como coletiva, incluindo nossa comunidade e nosso meio
ambiente. Se vivemos uma crise da ética no meio político e empresarial, vemos
também uma ampliação da discussão sobre ética e a efetiva tomada de medidas que
contribuem para esse aperfeiçoamento.
Mudanças recentes e posturas
inovadoras em campos como Bioética, Ética Ambiental, Ética na Pesquisa, Ética
nos Meios de Comunicação, Ética e Igualdade de Gênero e Raça são exemplos
disso, de que em muitos aspectos estamos vivendo uma “virada” em direção a
conquistas éticas. Embora estejamos ainda muito distantes do que almejamos
esses são campos em que surgem novos valores, em que se combatem preconceitos,
em que se ampliam direitos e em que a sociedade brasileira efetivamente se
transformou e vem dando exemplos de que mudanças em um sentido positivo são
possíveis. Temos tido grandes avanços e a sociedade tem se beneficiado disso.
Esses são importantes exemplos de boas
práticas e de bons resultados que podem servir de modelo para a ética na
política e nos negócios, mostrando assim que podemos caminhar na direção de uma
sociedade mais ética, desde que efetivamente caminhemos enquanto coletividade.
*Danilo Marcondes é professor e
coordenador do projeto Ética e Realidade Atual (ERA) do IAG – Escola de
Negócios da PUC-Rio.
Fonte:
Site do ESTADÃO
COMENTÁRIO:
Hoje em dia boa parte dos problemas
nacionais giram em torno da ética, ou da ausência dela, o esquema que se
instalou onde a sociedade gira em torna dos poderes e elites financeiras
provocaram diversas reflexões, novos valores tem se estabelecidos, o dinheiro e
o poder passa a ter mais valia que a própria vida, e um aparthaid é formado
entre os que “pisam” e os que são “pisados” colocando pessoas iguais em planos
diferentes. Por conseguinte existe uma falta de ética generalizada em todos os
tipos de relação, o “jeitinho brasileiro” banalizado e até incentivado, onde a
individualidade é apreciada, e o valor coletivo é menosprezado, o respeito
mútuo tende a desaparecer ao passo que cada um busca a sua própria maneira,
independente da forma pela qual possa ser obtida, passando por cima não mais só
de barreiras, mas de pessoas.
Os reflexos são evidentes, uma onda de
violência que se alastra vertiginosamente, chegando aos mais longínquos
lugares, abalando as relações, e o comportamento, exaurindo a tranquilidade e a
paz. Os valores estão deturpados, e a cada dia as pessoas se tornam mais
conscientes de que é errado ser certo como proferiu Rui Barbosa tempos
atrás “(...) de tanto ver triunfar as nulidades, de tanto ver prosperar a
desonra, de tanto ver crescer a injustiça. De tanto ver agigantarem-se os
poderes nas mãos dos maus, o homem chega a desanimar-se da virtude, a rir-se da
honra e a ter vergonha de ser honesto”.
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